A fala que não cala


OS FATORES ESSENCIAIS NO DESENVOLVIMENTO DAS NAÇÕES: UMA BREVE RESENHA DA LITERATURA

13-02-2009 14:14

Autor: José Nelson Bessa Maia, economista e doutorando em Relações internacionais na Universidade de Brasília (UnB),

e-mail: nbessa@unb.br. 

 

 

 

Introdução ao tema do Desenvolvimento das Nações  

 

            O “desenvolvimento” das nações consiste em um processo de enriquecimento dos países e regiões, assim como de sua população, ou seja, na acumulação de ativos individuais, privados ou públicos, e também em expansão da produção de bens e serviços e do rendimento recebido pelos que participam da atividade econômica. A expressão "crescimento econômico", por sua vez, se refere ao incremento mensurável de um fluxo como a produção ou a renda nacional, total ou por habitante, expresso em termos de uma medida do valor agregado (valor da produção bruta menos consumo intermediário) chamada produto interno bruto (PIB).

 

O estudo contemporâneo das Ciências Sociais sobre o tema do desenvolvimento engloba teorias e abordagens diversas sobre os fatores econômicos, político-institucionais, sociais, culturais e técnico-científicos responsáveis pela modernização industrial, tecnológica e organizacional nas sociedades. Abarca pesquisas relacionadas à evolução das empresas e outras organizações a partir de uma perspectiva histórica e comparada; processos específicos da evolução de mercados e das relações de trabalho; e semelhanças e diferenças culturalmente relacionadas entre países nos padrões de organização produtiva em sociedades atuais. Sobre o tema da natureza e das causas de variações que existem nas experiências de crescimento econômico e de desempenho em nível internacional, as ciências sociais procuram respostas para perguntas como alguns países se desenvolvem e outros não, por que em alguns países o crescimento é socialmente includente e em outros não? 

 

Portanto, é fácil perceber que o tema da determinação dos fatores que levam ao desenvolvimento ou mantêm o atraso nas sociedades nacionais é relevante e desafiante, especialmente no período de transição por que passa o mundo com o avanço das economias emergentes no cenário global e a construção de uma nova ordem internacional policêntrica e multipolar. Em face disso, o objetivo desse trabalho é sintetizar a ampla literatura sobre a análise dos sistemas econômicos, político, sociais e outros, suas inter-relações e dinâmicas no tocante ao multifacetado processo de desenvolvimento das nações, a partir de resenha de ampla literatura pertinente ao assunto.

 

 Além de apresentar sucintamente os principais conceitos e medidas utilizados para dimensionar o desenvolvimento, a resenha buscará dissecar os elementos mais destacados pela literatura acadêmica como responsáveis pelo progresso das nações, com ênfase nos fatores econômicos tradicionais (capital e trabalho), nos político-institucionais (instituições e direitos de propriedade), nos culturais (valores, atitudes e crenças) e nos de ordem tecno-inovadoras (progresso tecnológico e inovação). Para concluir será feita, de forma comparada, uma breve discussão sobre conjuntos de países ou regiões do mundo que perderam a corrida do desenvolvimento, assim como apresentados sucintamente os limites do desenvolvimento sustentado em um mundo cada vez mais pressionado pela exaustão de recursos naturais e restrições ambientais.           

 

1- Fundamentos, Conceitos e Medidas do Processo de Desenvolvimento das Nações

 

 O desenvolvimento econômico ou simplesmente 'desenvolvimento' é um termo que os economistas, politólogos e outros cientistas sociais têm usado com freqüência nos últimos 60 anos. O conceito, porém, tem existido sob outras formas no Ocidente durante séculos. Progresso, modernização, ocidentalização e, especialmente, industrialização foram termos usados na discussão do desenvolvimento das nações. Embora não haja certeza de quando o conceito surgiu, a maioria dos analistas concorda que o desenvolvimento está intimamente relacionado com a evolução do capitalismo.

 

De fato, historicamente, o desenvolvimento coincide com o aparecimento do sistema de mercado capitalista e com o advento da Revolução Industrial, pois, nos sistemas pré-capitalistas havia apenas períodos de prosperidade, mas não propriamente de acumulação, ou seja, não havia desenvolvimento. Outro aspecto importante é que o desenvolvimento não é uma tendência garantida e inexorável – os países podem retroceder, avançar ou não alcançar esse processo. O desenvolvimento econômico pressupõe a existência de recursos materiais e humanos, instituições, regras, valores, incentivos e outros elementos combinados de tal forma a gerar um sistema de produção e distribuição sustentável no tempo.

 

Conforme Francisco Diniz (2006:34), quando o PIB per capita de um país cresce, ocorre o crescimento econômico. O conceito de desenvolvimento econômico, porém, tem um caráter normativo, pois se refere ao atendimento das necessidades humanas básicas, tais como educação, lazer, liberdade, saúde, segurança e acesso à renda. Porém, mesmo não correspondendo necessariamente a uma situação de eqüidade e justiça social, o crescimento econômico é a base fundamental sobre a qual o desenvolvimento se assenta.

 

O historiador econômico David Landes (2003) em sua monumental obra “Riqueza e a Pobreza das Nações” tratou da questão de porque o Ocidente é tão rico e os outros tão pobres, uma questão fundamental para se entender o que é o crescimento ou o desenvolvimento econômico. Na verdade, essa pergunta é bem antiga, tendo preocupado os economistas desde Adam Smith (1723-1790) e Thomas Malthus (1766-1834), os fundadores da ciência econômica. No entanto, conforme Charles Jones (2000:1-2), o exame moderno do tema do crescimento e do desenvolvimento econômico foi em geral esquecido pelos sucessores de Smith ao longo do século XIX e até meados do século XX, retomando-se o tema primeiro com Joseph Schumpeter (1883-1950) em 1911, em seu livro “Theory of Economic Development”, depois com Sir Roy Harrod e Evsley Domar, nos anos 40, e depois com o trabalho seminal de Robert Solow, professor do MIT e Prêmio Nobel de Economia (A contribution to the theory of economic growth), no início dos anos cinqüenta (Solow, 1956). A teoria de Solow ajudou a esclarecer o papel da acumulação de capital físico e destacar a importância do progresso técnico como motor fundamental do crescimento econômico sustentado das nações. 

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2 - Fatores do Desenvolvimento na Economia Neoclássica

 

            O economistaSolow introduziu a análise marginalista dos autores neoclássicos do final do século XIX, razão pelo qual a sua teoria é conhecida como o modelo neoclássico de desenvolvimento. Diversamente da teoria keynesiana de Harrod-Domar, que sugeria que o caminho para o crescimento econômico seria inerentemente instável, a teoria de Solow apoiava a visão de que a economia se ajusta internamente para obter crescimento equilibrado estável. Tendo como eixo o crescimento da economia de um país em um período longo, Solow apresentou como fontes de crescimento: a acumulação de capital, o crescimento da força de trabalho e as mudanças tecnológicas.

 

            Segundo Charles Jones (2006:17-22) e Francisco Diniz (2006: 109-118), o modelo de crescimento de Solow explica como a poupança, a expansão demográfica e o progresso técnico afetam o aumento do produto com o correr do tempo. Quando o capital é escasso, qualquer unidade adicional gera uma quantidade maior de produto adicional; mas, quando o capital é abundante, o acréscimo de uma unidade gera menor quantidade de produto adicional, portanto, a função produtividade marginal do capital seria decrescente. O estado estacionário representaria um equilíbrio de longo prazo na economia e, nesse estado, a taxa de poupança seria o principal determinante do estoque de capital. O aumento da taxa de poupança faria a economia crescer até alcançar o novo estado estacionário. Assim, a acumulação de capital seria a poupança descontada da taxa de depreciação. Atingir-se-ia, assim, no estado estacionário, a situação em que o investimento seria igual à depreciação do capital fíxo. Nesse nível, o investimento seria suficiente para manter estável a relação capital por trabalhador. Qualquer estímulo ou retrocesso conduziria a economia de volta ao nível citado.

 

Para Stanley Brue (2005: 465), Solow também enfatizou a importância do avanço tecnológico, que incluiria não apenas as técnicas aprimoradas de produção, mas também as melhorias no capital e no trabalho. Quando ele introduziu o avanço tecnológico no seu modelo, a economia hipotética atinge taxas mais altas de crescimento produtivo, independentemente dos aumentos no total de capital por trabalhador. Para testar essa previsão de seu modelo, Solow desenvolveu novas técnicas (produtividade total dos fatores) para medir as contribuições relativas dos fatores que causam o crescimento econômico. Ele então descobriu que os aumentos no trabalho e nos fluxos de entrada de capital explicam menos da metade do crescimento econômico. Segundo ele, o resíduo seria o resultado do progresso técnico.

 

Como bem assinala Gustavo Franco (1999: 131-133), a discussão sobre o “resíduo de Solow” veio a se constituir em um sério confronto entre visões sobre a importância relativa da acumulação de fatores de produção (capital e trabalho), ou seja, sua mobilização via planejamento vis-à-vis criatividade e produtividade como determinantes básicos do crescimento. Em face das óbvias limitações do modelo neoclássico de desenvolvimento, a reação do mainstream da academia norte-americana foi adicionar outras variáveis explicativas para o crescimento, a exemplo de economias de escala, rendimentos crescentes, diferenciação de produtos, ganhos de aprendizado e teorias sobre capital humano (importância da educação). Resgataram-se então temas importantes da obra de Joseph Schumpeter em torno do papel central da inovação tecnológica e do empreendedor e, posteriormente nos policy-oriented  programas e sistemas nacionais de ciência, tecnologia e inovação. 

 

Mais recentemente, um conjunto de abordagens, chamadas de “novas teorias do crescimento”, tendo por expoentes Paul Romer (1994), Robert Lucas (1988), Robert Barro (1991) e outros, tentou fazer a síntese entre o formalismo teórico neoclássico do mainstream com teses de velhos mestres do pensamento econômico e evidências da própria prática do desenvolvimento. Em que pese o exagero de seus defensores quanto ao ineditismo de sua teorização, esses novos enfoques colocam de fato o progresso técnico (ou seja, o complexo de inovação e tecnologia) na crista da onda da reflexão sobre o assunto, reconhecendo a importância de fatores como formação de capital humano, pesquisa e desenvolvimento (P&D), instituições, direitos de propriedade, estabilidade macroeconômica e abertura comercial como ingredientes fundamentais para conduzir e manter as sociedades nacionais na senda do crescimento econômico e do pleno desenvolvimento. 

 

3 - Fatores de Inovação e Tecnologia no Desenvolvimento

 

Na tradição dos economistas clássicos e neoclássicos, somente o capital e o trabalho eram considerados fundamentais ao crescimento econômico, sendo a tecnologia dada e homogênea. A teoria de Joseph Schumpeter se tornou especialmente útil, porque, ao indagar sobre o crescimento econômico, rompeu com paradigma neoclássico e propôs a inovação e o progresso tecnológico como fatores fundamentais para alavancar o crescimento econômico. Por isso o conhecimento mais detalhado dessa dinâmica torna-se útil para a compreensão do processo de expansão da produtividade da economia e, por conseguinte, do desenvolvimento.

 

Schumpeter (1943) construiu um sistema teórico para explicar os ciclos de negócios e o desenvolvimento econômico sob o sistema capitalista. Para ele, o principal processo na mudança econômica não seria a expansão dos fatores de produção convencionais neoclássicos (capital e mão-de-obra), mas sim e, sobretudo, a introdução de inovações e o agente da inovação, isto é, o empreendedor. Ele definiu inovação como a mudança nos métodos de oferta de mercadorias por meio de: i) introdução de novos produtos ou novos métodos de produção; ii) abertura de novos mercados; iii) conquista de novas fontes de suprimento de matérias-primas ou bens intermediários; e iv) reorganização industrial (criação ou quebra de monopólios). 

 

Para o autor, empreendedor seria a pessoa que executa novas combinações e introduz inovações na empresa capitalista. Sempre pioneiro na introdução de novos produtos, processos, formas de organização gerencial ou na penetração em novos mercados. Nem todos os empresários, gerentes e capitalistas seriam empreendedores porque podem estar gerenciando um negócio sem tentar novas idéias ou novas maneiras de fazer as coisas. Os empreendedores não necessariamente correm riscos, sendo esse em geral assumido pelos acionistas ou sócios da empresa, que são tipicamente capitalistas.

 

            Conforme assinala Roger Backhouse (2007:249), Schumpeter defendia que, sem inovação, a vida econômica atingiria um equilíbrio estático. Os lucros declinariam, o acúmulo de riqueza cessaria e a economia cairia em estagnação no longo prazo. O empreendedor, buscando o lucro com a inovação, é que transforma essa situação estática no processo dinâmico de desenvolvimento econômico. Ele desvia fatores de produção para o novo investimento. Para isso, ele se vale do crédito bancário para oferecer os meios de que precisa. Desse modo, o desenvolvimento resultante surge do próprio sistema, em vez de ser imposto externamente. Porém, as inovações não ocorrem de forma contínua. As atividades dos empreendedores criam um clima favorável que acirra a concorrência, gerando a prosperidade. No entanto, nesse processo muitos perdem (a chamada destruição criadora) e o ciclo econômico se inverte levando às crises periódicas. O sistema tende novamente ao equilíbrio estático a não ser que seja novamente ativado por uma nova onda de inovações.

 

            Em que pese sua ardente defesa pelo capitalismo da livre empresa, Schumpeter revela um pessimismo sombrio quanto à continuidade do sistema no futuro, não por razões ideológicas ou políticas, mas por causa de seu próprio modelo analítico. As razões para isso seriam: a) a obsolescência das funções empreendedoras; b) a extinção da classe política mais afinada com a defesa da livre empresa; c) a destruição da estrutura institucional, o fator mais dinâmico do sistema; e d) a hostilidade dos intelectuais contra o capitalismo. Todavia, no seu último artigo, Schumpeter (1949) estava mais otimista quanto à longevidade do capitalismo. Ele então admitiu a possibilidade do Estado atuar como agente da inovação tecnológica (chega a  mencionar o papel inovador do Departamento de Agricultura dos EUA no desenvolvimento de métodos e sementes que revolucionaram a produtividade da agricultura norte-americana no pós-Guerra). Para ele, esse fenômeno constituía uma prova do caráter institucional e não-personalizado tanto da função empresarial como dos processos de inovação. No nível das empresas, o foco inovador não se situaria mais nos seus órgãos diretivos e sim nos departamentos de P&D. Na verdade, a capacidade de inovar não seria mais privilégio de talentos iluminados, podendo manifestar-se de várias maneiras e nos mais diversos contextos.

 

            A contribuição de Schumpeter para Economia foi muito importante e consiste menos em suas opiniões sobre o destino do capitalismo no longo prazo e mais em sua ênfase na importância dos empreendedores e das inovações como alavancas do desenvolvimento econômico. Novos produtos e melhores tecnologias, muitas dos quais comercializados por empreendedores, explicam em boa parte o crescimento dos países industrializados. Posterior elaboração da teoria schumpeteriana levou ao rico debate sobre hiatos tecnológicos Norte-Sul, as análises de experiências de difusão tecnológica em países emergentes, a microeconomia da inovação tecnológica e à formulação de estratégias nacionais de tecnologia e inovação.  

 

Uma crítica recorrente a Schumpeter tem a ver com seu citado pessimismo em relação ao futuro do capitalismo. Ao contrário, porém, do esperado, desde a época em que publicou seu livro (1943), o sistema continuou se expandindo e a prosperar em muitas partes do mundo. Além disso, a queda do comunismo (em 1989/91) levou diversas economias ex-socialistas na Europa e na Ásia a abraçar o capitalismo como última meta de seus esforços reformistas. O empreendedorismo capitalista tem prosperado no mundo (vide o caso dos países do leste asiático), conforme se evidencia pelo grande sucesso de algumas empresas novas e pela contínua onda de inovações relacionada à chamada Revolução da Tecnologia da Informação (sobretudo a computação pessoal), telecomunicações, engenharia genética e a rede mundial de informação (a Internet).

 

Outra contribuição notável na linha da inovação e do empreendedorismo é de William Baumol (1991), cuja hipótese básica é a de que, embora a oferta total de empresários varie entre sociedades, a contribuição produtiva das atividades empresariais varia muito mais por causa da sua distribuição entre atividades produtivas, tais como a inovação, e em setores em grande parte improdutivos, tais como a apropriação de renda (rent-seeking) ou mesmo o crime organizado. Essa repartição é fortemente influenciada pela compensação relativa que a sociedade oferece a essas atividades. Isto implica que a política pode influenciar a distribuição de capacidade empresarial de forma mais eficaz do que o que a sua oferta. Evidências históricas da Roma antiga, da China medieval, da Idade Média e da Renascença européias foram utilizadas por Baumol para investigar as hipóteses.

 

Para extrair mais resultados substanciais a partir de sua análise da distribuição de recursos empresariais, Baumol expandiu a lista de inovações de Schumpeter. Por exemplo, aquele não considerou explicitamente os atos de transferência de tecnologias inovadoras que permitem aproveitar as oportunidades de tecnologia já disponível (geralmente com algumas alterações incrementais com vista à sua adaptação às condições locais) para locais geográficos cuja aptidão para a finalidade anteriormente tenha sido despercebida ou pelo menos não utilizada. Além disso, a lista de Schumpeter pode incluir itens como inovações em processos de apropriação de renda (rent-seeking), procurando, por exemplo, a descoberta de brechas legais que facilitem o desvio de rendas apropriáveis públicas ou privadas para aqueles que sejam os primeiros a explorá-las.

 

Pode parecer estranho à primeira vista propor inclusão de tais atividades de valor duvidoso para a sociedade (atos improdutivos de empreendedorismo) na lista de inovações schumpeterianas, mas esse é um passo essencial para a análise de Baumol. O autor argumenta que as regras do jogo que regem uma atividade empreendedora em relação à outra serão determinantes do comportamento empresarial em qualquer momento e lugar. Na verdade, sob certas circunstâncias, o empresário pode atuar como parasita, maximizando ganhos privados, mas de forma prejudicial para a economia e a sociedade como um todo.

 

Para Baumol, a maneira como o empresário atua num determinado momento e lugar depende fortemente das regras do jogo – isto é, da estrutura de incentivos da economia – que prevalecem. Assim, a sua hipótese central é que esse conjunto de regras, e não a oferta de empresários ou a natureza dos seus objetivos, que ajuda a determinar o efeito final sobre a economia através da distribuição dos recursos empresariais. Caso seja apoiada pelas evidências, essa hipótese se torna importante variável para a política de desenvolvimento.

 

Dessa forma uma clara orientação de política pode ser dada às diferentes atividades empreendedoras, de modo a canalizar o empreendedorismo em direções produtivas ou improdutivas, de modo que isso possa afetar significativamente o ritmo do crescimento da produtividade da economia. Afinal de contas, as leis vigentes e os procedimentos legais de uma economia são os principais determinantes da rentabilidade das atividades, tais como a apropriação de renda através de processos litigiosos ou espúrios. Passos como a desregulamentação de setores econômicos ou regulações antitrustes mais racionais podem contribuir para reduzir o uso improdutivo de capacidade empreendedora e desviá-las para atividades mais eficientes sob a ótica da sociedade.

 

4 - Fatores Político-Institucionais do Desenvolvimento  

 

A idéia de que as instituições exercem importante papel no desempenho das economias tem uma longa história no pensamento econômico. O próprio Adam Smith argumentou em seu livro Riqueza das Nações (1776) que as colônias inglesas da América do Norte eram mais pobres em recursos naturais do que as colônias de Portugal e Espanha e pouco melhor do que das colônias francesas, mas atribuiu o crescimento superior das colônias inglesas às suas instituições políticas muito mais favoráveis à melhoria do cultivo das terras do que aquelas de qualquer colônia das outras três nações”.

 

Muitos desde Adam Smith concordaram com essa crença na importância das instituições, mas sem aprofundar a investigação, de modo que a recente redescoberta das instituições pelos economistas foi um avanço salutar. Nas décadas de 70 e 80 do século XX, houve um renovado interesse entre economistas e outros cientistas sociais em explorar as causas e conseqüências de mudanças nos sistemas legais e nas normas sociais que, juntas, definem as regras e restrições que regem o funcionamento dos mercados. Disso resultou uma série de pesquisas, inclusive a análise econômica dos direitos de propriedade, investigações sobre economia política das eleições em democracias e o estado de direito, além de vários estudos comportamentais e microeconômicos sobre as firmas e outras organizações.

 

O novo pensamento institucionalista teve várias correntes, cada uma enfatizando um aspecto das instituições (direitos de propriedade, direito e economia, escolha pública etc.) no entendimento do comportamento e dos resultados econômicos e políticos. Uma linha de trabalho destacada foi do economista (Prêmio Nobel de Economia), Ronald Coase (1991) sobre a relevância dos chamados “custos de transação” na explicação da organização do comportamento das empresas. Outra linha foi a de Douglass North, insigne historiador econômico norte-americano (e também Prêmio Nobel de Economia), um dos acadêmicos que tentaram integrar análises e conclusões de uma gama de pesquisas, a fim de entender as fontes do crescimento econômico.

 

Por mais de 20 anos, North se interessou em investigar a influência das instituições sobre o desempenho das economias, criticando a teoria econômica neoclássica por sua falha em considerar as limitações institucionais nos processos de tomada de decisão econômica e sua incapacidade de explicar a persistência de diversas instituições ineficientes pelo mundo afora. No entanto, ainda assim, ele optou por adotar o método teórico neoclássico da escolha racional na tomada de decisão dos agentes econômicos. O livro de North, Institutions, Institutional Change and Economic Performance (1990) introduz uma nova visão sobre o assunto, com modificações e extensões de suas abordagens anteriores, fornecendo uma síntese de grande parte do trabalho de pesquisa realizado e apontando tanto seus pontos fortes como fracos.

 

A maior parte da obra de North enfocou a economia política dos processos pelos quais as instituições são formadas. Para o autor, as instituições se formam por minimizarem os custos da interação humana, podendo ser formais (por exemplo leis, constituições) ou informais (códigos de conduta e práticas consuetudinárias) e nesse particular sua análise tem sido um avanço importante. No entanto, ocorreu menos progresso na avaliação das conseqüências do desenho institucional, pois as explicações de crescimento econômico através da referência às instituições não avançou além dos métodos empregados por Adam Smith. Para fazer avançar a explicação do desenvolvimento econômico ainda torna-se necessário examinar de forma mais profunda e com melhor verificação empírica os efeitos do desenho institucional sobre o desenvolvimento econômico.

 

Na maior parte de seu trabalho anterior sobre mudança, North argumentava que direitos de propriedade eficientes haveriam de surgir ao longo do tempo. Tais direitos seriam criados à medida que atores econômicos racionais em busca de ganhos de produtividade respondessem aos custos e benefícios envolvidos na criação e no cumprimento de tais direitos. Mudanças nos direitos de propriedade – e nas instituições legais de forma mais geral – tenderiam sempre a elevar a produtividade e promover o crescimento econômico. Com seu livro de 1990, North abandonou essa abordagem otimista e passou a explicar como podem persistir os direitos de propriedade ineficientes.

 

Para tal, North encontra respostas na ineficiência dos “mercados políticos”, sustentando que tanto os altos custos de transação (nos termos de Ronald Coase) como erros nas percepções dos autores nos “mercados políticos” podem gerar direitos de propriedade que não induzem ao crescimento econômico. Ademais, ele argumenta que tais direitos de propriedade ineficientes podem levar à criação de organizações ou firmas voltadas para prosperar capturando renda sob as leis e normas vigentes e que, por conseguinte, não oferecem uma estrutura de incentivos adequada para gerar resultados econômicos mais eficientes. Os ganhos privados são realizados, assim, às custas do crescimento econômico da sociedade como um todo.

 

Douglass North observa que a captura dos ganhos de troca (trade gains) para todas as partes de uma transação requer o desenvolvimento do Estado como força coercitiva capaz de monitorar os direitos de propriedade e reforçar eficazmente os contratos, mas nesse estágio ninguém saberia como criar essa entidade. Pondo de uma outra forma, se o Estado tem força coercitiva, aqueles que o dirigem poderão usar essa força no seu próprio interesse às custas da coletividade. Em contraste com a modéstia de negar-se a propor como engendrar instituições eficientes, North faz afirmações fortes em torno de sua habilidade de identificar o impacto agregado das instituições. Portanto, ele observa que a incapacidade das sociedades desenvolverem o cumprimento (enforcement) a baixo custo dos contratos seria a fonte mais importante tanto da estagnação histórica como do subdesenvolvimento contemporâneo do chamado Terceiro Mundo.

 

Como ele mesmo afirma (1990:69): “comparar o arcabouço institucional em países como os EUA, Inglaterra, França, Alemanha e Japão com os países do Terceiro Mundo ou com o passado histórico dos países industrialmente avançados torna claro que esse arcabouço institucional é um elemento crítico para o relativo sucesso das economias, tanto entre países como ao longo do tempo”.  Assim, o talento de Douglass North veio para conjugar a análise neoclássica tradicional à análise das instituições. Ao fazer isso, ele consegue explicar de forma convincente como as instituições afetam as preferências econômicas e como estas mudam gradativamente as instituições.

 

Em que pese à importância das instituições, outros elementos de origem institucional também influem poderosamente na trajetória do desenvolvimento econômico. Hernando de Soto (2000:40-42), por exemplo, destaca o papel crucial exercido pelo capital para viabilizar a prosperidade nos países do Ocidente, assim como mostra o quanto sua escassez contribui para manter a pobreza e o atraso em outras áreas do mundo. Ele define capital como a “força que eleva a produtividade do trabalho e cria a riqueza das nações. O sangue vital do capitalismo e a única coisa que os países pobres do mundo não conseguem aparentemente produzir para si mesmos não importa a disposição com que muitos dos seus se engajem em todas as outras atividades que caracterizam uma economia capitalista”.

 

Assim, para de Soto, a incapacidade de transformar ativos em capital nos países pobres seria o fator impeditivo do resto do mundo beneficiar-se do capitalismo. Em outras palavras, a incapacidade de gerar o processo de representar os ativos em documentos de propriedade em muitos países e regiões impediria suas populações de criar a matéria-prima do progresso, isto é, o capital produtivo. Sem esse componente essencial do avanço econômico ocidental, grande parte do mundo continuaria a manter capital “morto” (improdutivo) e vegetar no atraso e na pobreza. Essa negligência teria envolvido o capital em uma série de mistérios, dentre os quais a falta de informação sobre os ativos existentes, a falta de conscientização política (só atenuada a partir do avanço da revolução industrial e da urbanização), a falta de acesso à experiência alheia e a falha dos sistemas legais em preservar os direitos de propriedade.  

 

Hernando de Soto conclui sua análise sugerindo que, para tornarem suas sociedades prósperas e desenvolvidas, as elites dirigentes nos países menos desenvolvidos teriam de documentar (titular) seus pobres, estimular a poupança, implantar sistemas de propriedade que convertam trabalho e poupanças em capital, combater as máfias, coibir a desobediência civil, envolver as pessoas, estabelecer o contrato social e reformar profundamente o sistema jurídico. Com o inconteste fracasso do comunismo, o capitalismo, como o único sistema existente, teria condições de oferecer a todos as chances de fazer a transição rumo a sociedades de mercado abertas e livres, capazes de criar excedentes e aspirar mais prosperidade no futuro.    

 

No que diz respeito à influência de aspectos políticos sobre o desenvolvimento, cabe apresentar a abordagem de Mancur Olson sobre a lógica do poder sobre a economia. Em seu livro póstumo, Power and Prosperity (2000), Olson distingue entre os efeitos econômicos de diferentes tipos de governo, em particular, a tirania, a anarquia e a democracia. Nesse contexto, ele faz uso da “metáfora do criminoso” para mostrar a gênese do poder estatal. Ele argumenta que um "bandido itinerante" (sob condições de anarquia) tem apenas incentivo para roubar e destruir, enquanto um "bandido estacionário" (tirânico ou autocrático) tem incentivo para favorecer a prosperidade da comunidade que domina, uma vez que espera ficar no poder tempo suficiente para se beneficiar dela.

 

Um bandido itinerante às vezes descobre que é de seu interesse tornar-se um bandido estacionário. O bandido-estacionário (um autocrata) estabelece um esquema de extorsão de tipo mafioso, encobrindo muitas vezes o seu poder com áurea sobrenatural (apelo à religião ou à magia). Ao eliminar outros bandidos, ele contribui para melhorar o desempenho econômico da comunidade, aumentando com isso o seu potencial de extorsão sobre as riquezas dos súditos ou cidadãos que lhe estão sujeitos. Portanto, o bandido estacionário acaba assumindo a função primordial de estado – dando proteção aos cidadãos e seus bens contra os ataques de outros bandidos itinerantes. Olson vislumbrou na passagem do bandido itinerante para o bandido estacionário as sementes da civilização moderna, abrindo o caminho para a democracia, a qual aumenta os incentivos para uma boa administração, aproximando o governante dos anseios da população.

 

Da análise de Olson, podem-se concluir o seguinte: i) direitos de propriedade claros e seguros, cumprimento imparcial das leis e ausência de banditismo são elementos essenciais para o crescimento econômico de longo prazo. Países menos desenvolvidos que desconsideram tais elementos cometem grave erro; ii) práticas como acúmulo de dívidas, expansão monetária excessiva, pouca resistência a pressões de grupos de interesse e calotes de dívidas arruínam as economias; iii) leniência com a criminalidade, subsídios generalizados, cobiça das elites e corrupção governamental acabam com o dinamismo econômico, mesmo quando não faltam investidores, tecnologias e cidadãos dedicados ao trabalho; e iv) as economias devem ter uma taxa elevada de investimentos no longo prazo. Isso estaria ficando cada vez mais difícil nas democracias, mas quase impossível nas autocracias, pois tais regimes têm tendências para se endividar à exaustão, descumprir contratos, emitir moeda sem controle e confiscar arbitrariamente a propriedade. A complacência com tais elementos acaba contribuindo para o baixo desempenho econômico e o desincentivo aos investimentos, perpetuando o atraso e a pobreza nas sociedades menos desenvolvidas.  

       

5 - Fatores Culturais no Desenvolvimento

 

A importância dos fatores culturais no desenvolvimento já é matéria amplamente aceita na academia em que pesem as reações dos defensores de explicações universalistas, como os “egoístas” materialistas da economia neoclássica, os cientistas políticos da escolha racional e os estudiosos neo-realistas das Relações Internacionais. Samuel Huntington (1998:13) definiu cultura como os valores, as atitudes, as crenças, as orientações e os pressupostos subjacentes que predominam entre os membros de uma sociedade. Considerando o peso da religião na cultura, iniciamos a discussão do tema da cultura com a influência da religião no desenvolvimento das sociedades.

 

A teoria de Max Weber (1986/1917) e (1987/1905) trata de explicar por que apenas no norte da Europa Ocidental ocorreu um autêntico nascimento do capitalismo, ao passo que tal modo de produção se propagou posteriormente nas demais regiões do planeta. Pela sua análise, ele observou que o protestantismo puritano favoreceu uma sólida ética do trabalho e um pensamento racionalista. Weber chegou então à conclusão de que a ideologia religiosa do protestantismo foi a única transição adequada a uma mentalidade capitalista, ao passo que as outras culturas religiosas, inclusive o budismo e o confucionismo asiáticos, revelavam-se incapazes de constituir um conveniente pano de fundo cultural para o desenvolvimento do capitalismo.

 

Para Weber, na ética puritana, as relações puramente pessoais, embora, existissem, se não fossem contrárias a Deus, e reguladas eticamente, eram suspeitas, pois que valiam apenas para as criaturas. A relação com Deus lhe era, sob todas as circunstâncias, precedente. Caso substituamos o "Deus" puritano pelo valor econômico ou simplesmente pelo dinheiro, logo salta à vista a concepção ocidental e liberal do homem como um egoísta isolado, que sacrifica todos os vínculos pessoais e sociais no altar da racionalidade econômica abstrata e do puro sucesso individual. E, uma vez que o confucionismo resiste fundamentalmente a tal impulso, Max Weber o toma como inapto ao capitalismo, à diferença do ideário protestante.

 

A teologia protestante teria sido então uma das manifestações mais importantes da filosofia individualista, base filosófica do liberalismo econômico clássico. Ela teria sido funcional para as emergentes classes burguesas holandesa e inglesa dos séculos XVI e XVII que desejavam se libertar não só das restrições do Estado mercantilista (cuja intervenção obstruía o desenvolvimento do comércio e das manufaturas), como também do estigma da Igreja Católica. O protestantismo, além de libertá-los da condenação religiosa, converteu em virtudes as motivações egoístas dos capitalistas.

 

Em que pese o insight de Weber sobre o papel da ética protestante na conformação de relações capitalistas, é algo controverso se a religiosidade protestante secularizou-se e com isto originou o capitalismo, ou se antes o capitalismo nascente aproveitou-se da ideologia protestante e talhou-a segundo sua própria imagem mundana. Isto é, a religião influenciou a perspectiva das pessoas sobre a sociedade, mas as mudanças econômicas e sociais também atuaram de forma poderosa sobre a religião.  Com efeito, apesar do calvinismo ter “santificado” as atividades econômicas e o acúmulo de riqueza, as mudanças econômicas estruturais, tais como as grandes descobertas marítimas e expansão do comércio mundial não teriam sido responsáveis pela transformação da ética católica a partir do século XVI?

 

As primeiras manifestações capitalistas (inclusive o surgimento da contabilidade mercantil) foram notadas nas cidades medievais da Itália católica (Veneza, Florença, Gênova), bem antes da reforma protestante de Lutero e Calvino. Portanto, a racionalidade capitalista não teria seria privilégio somente da ética protestante. O certo é que apenas esse amálgama europeu de protestantismo e capitalismo deu luz ao mundo moderno dos mercados, ao passo que nas culturas muito mais antigas da China, do Japão e do resto da Ásia o capitalismo teve de ser importado com as idéias européias e não se desenvolveu de forma endógena.

 

Nesse sentido histórico, Max Weber não pode mais ser refutado. Contudo, sua tese sobre a escassa capacidade de integração capitalista do confucionismo (assim como do budismo e de toda a mentalidade asiática) provou-se falsa, já que hoje o Japão, a China e os "pequenos tigres" e mesmo a Índia parecem ter criado um capitalismo especificamente asiático, que no fundo se afasta da versão ocidental, remonta a tradições culturais próprias e é tido como um extraordinário sucesso.

 

Além da influência da religião (crenças) sobre o desenvolvimento, outros elementos da cultura (valores, orientações e pressupostos) também o afetam. Com o objetivo de analisar a influência da cultura sobre o desenvolvimento, Mariano Grondona (2000:92-100) propõe uma tipologia cultural de 20 fatores em que dois tipos ideais de sistemas de valores sejam confrontados: um favorável ao desenvolvimento e o outro hostil. Só os países com um sistema de valores favorável e resistente à tentação de divergir seriam capazes de manter um desenvolvimento sustentado e rápido. De fato, como o desenvolvimento econômico não se limita a episódios de prosperidade, mas constitui uma seqüência interminável de decisões favoráveis ao investimento, à competição e à inovação, vale a pena tentar examinar como os fatores culturais influenciam tais decisões.

 

Para Grondona, o paradoxo do desenvolvimento econômico é que os valores econômicos não bastariam para garanti-lo, pois o desenvolvimento seria um processo cultural, com valores pertencentes ao campo da ética. Nesse sentido, os valores serviriam como ponte entre as expectativas de curto e de longo prazos, fortalecendo objetivos distantes no tempo contra recompensas de curto prazo. Na verdade, o desenvolvimento e o subdesenvolvimento não seriam impostos a uma sociedade de fora para dentro; mas sim a sociedade, em função de seu apego a certos valores culturais, é que faria a escolha entre o desenvolvimento ou o subdesenvolvimento.

 

Dentre os 20 fatores culturais contrastantes arrolados pelo autor se destacam: a  religião; fé no indivíduo; imperativo moral; conceitos de riqueza; visões de competição; noções de justiça; valor do trabalho; papel da heresia; sentido pragmático da educação; importância da utilidade; racionalidade; senso de autoridade;  visão de mundo; salvação do ou no mundo; utopias;  natureza do otimismo, e visões de democracia. Os 20 fatores apontados seriam meramente arquétipos ou construtos mentais. De todo modo, eles serviriam para indicar que quanto mais perto ou longe de um tipo de sociedade favorável ao desenvolvimento econômico maior seria a probabilidade de que a sociedade pudesse alcançar o desenvolvimento sustentado e vice versa.

 

Nos anos 50 do século XX, houve muito otimismo quanto ao desenvolvimento dos países subdesenvolvidos. Muitos acreditavam que o progresso seria inevitável com o fim do jugo colonial. A obra de Walt Rostow (1960) sugeria que o progresso humano seria impulsionado por uma lógica que podia ser acelerada. Após 50 anos, porém, o otimismo foi substituído pela frustração e pessimismo (poucos países conseguiram seguir a trajetória de Rostow para o Primeiro Mundo). Na maioria dos países do mundo prevalecem baixos níveis de renda e de qualidade de vida. As instituições democráticas são fracas ou não existem na África, nos países islâmicos do Oriente Médio e no resto da Ásia. Mesmo nos EUA, 30% os hispânicos viveriam abaixo da linha nacional de pobreza e os negros, 27%.

 

 Para Lawrence Harrison (1998), as razões do fracasso seriam equivocadamente explicadas por: i) visões de cunho marxista-leninista: colonialismo (doutrina do imperialismo) para África e Ásia e a teoria da dependência para América Latina, ambas hoje em descrédito nos meios acadêmicos e de organismos internacionais; e ii) a tese da discriminação racial para os problemas de pobreza e desigualdade nos EUA, a qual perdeu seu apelo pelos progressos alcançados pelos afro-americanos e hispânicos naquele país. Não obstante, as instituições de ajuda ao desenvolvimento (Onu/Pnud, Bird, Bid, Bad) tentaram várias soluções (reforma agrária, desenvolvimento comunitário, ênfase nas questões de gênero, privatização, descentralização, desenvolvimento sustentável etc.). Apesar de algum sucesso pontual, essas iniciativas não produziram crescimento rápido, democracia e justiça social no Terceiro Mundo

 

Para melhor compreender as relações ente cultura e desenvolvimento, a Harvard Academy, em 1999, se propôs a pesquisar de forma multidisciplinar o papel dos valores e das atitudes culturais como estímulos ou obstáculos ao progresso. O programa de pesquisa teórica e aplicada, liderado por Harrison, enfatizou os seguintes elementos: a) valores/atitudes que afetam o progresso; b) relação entre cultura e desenvolvimento; c) relação entre valores/atitudes, políticas e instituições; d) fatores de transmissão cultural; e) mediação valores/atitudes; e f) avaliação de iniciativas de mudanças culturais já em andamento. A integração de pesquisas sobre a mudança de valores e atitudes, políticas, planejamento e programas de desenvolvimento demonstrou ser uma forma promissora de melhor compreender a influência da cultura no desenvolvimento, lançando as bases para a formulação de recomendações de política voltadas para a mudança de comportamentos e valores como caminho para superar o subdesenvolvimento.

 

6 - Análise Comparada na Corrida do Desenvolvimento e Limites do Desenvolvimento Sustentado das Nações  

 

            Em que pesem a ajuda externa e os esforços de inúmeros países se desenvolverem após a 2ª Guerra Mundial, poucos tiveram êxito. Conforme afirma Jeffry Frieden (2008:445-448), excetuando-se as nações do Sul da Europa (Espanha, Portugal e Grécia) mais a Irlanda e os quatro tigres asiáticos (Cingapura, Coréia do Sul, Hong Kong e Taiwan), praticamente nenhuma outra nação havia rompido os umbrais do subdesenvolvimento até os anos 80 do século XX. Modelos equivocados, como experimentos infindáveis de indústrias nascentes por substituição de importações e de planejamento central e propriedade estatal (de inspiração soviética) acabaram levando a maioria das nações recém independentes do colonialismo, no Oriente Médio e na África, ou aquelas imersas na inércia secular latino-americano, a permanecerem menos desenvolvidas ou no máximo sociedades profundamente desiguais, dualistas e avessas ao estrangeiro.

 

            Conforme assinalado por Paul Krugman (1999:185) e Jeffry Frieden (2008: 419-420), com a expansão da produção global e a difusão da revolução tecnológica da informação desencadeadas na década de 70, muitos países do Terceiro Mundo abandonaram o marasmo e buscaram “pegar carona” no bonde da globalização e da especialização produtiva e comercial. Bens antes fabricados em um país podiam ser agora produzidos em várias partes do mundo em busca das vantagens comparativas dinâmicas e competitivas. A produção global permitiu às empresas multinacionais reduzirem seus custos e deu oportunidade aos países em desenvolvimento mais preparados em termos de instituições e qualificações de ocupar nichos econômicos rentáveis. Com isso, as forças globalizantes impulsionaram e atraíram regiões do mundo para virem se beneficiar de uma divisão de trabalho mais eficiente.

 

Na América Latina, o Chile, Brasil e México, durante as décadas de 80 e 90, largaram seus modelos (cepalinos ou prebischianos) industriais fechados e buscaram na integração com a economia internacional novas fontes de desenvolvimento. Na Ásia, novos tigres (Tailândia, Malásia, Indonésia, Filipinas) e, mais recentemente, a China continental entraram pesadamente no jogo da globalização. No mundo muçulmano, sobretudo a Turquia se esforçou por manter o secularismo, o intercâmbio com a Europa e gerar manufaturas para exportação. Na Europa Oriental, inúmeras nações libertas do jugo sufocante do comunismo soviético abraçaram com fervor a economia de mercado e a democracia ainda que com graus variados de sucesso, preparando-se para posterior e pacífica incorporação no espaço de prosperidade da União Européia. Esses exemplos (cerca de 30 países no total) de crescimento econômico alto e sustentado se converteram nos países atualmente chamados “emergentes”, aspirantes a galgar o status de nações desenvolvidas e disputar ou compartilhar posições com as nações avançadas (da OCDE) no jogo do poder mundial.    

 

Não obstante o sucesso desses países promissores na corrida do desenvolvimento, a grande maioria dos países menos desenvolvidos (mais de 130 ao todo) permanece na situação de perdedores. Conforme menciona David Landes (1998:554): “escalonados atrás dos [países] líderes e seguidores [os emergentes] – na acepção daqueles que os seguem na mesma velocidade ou estão prestes a eliminar o atraso - encontra-se a maioria dos povos do mundo”.  Utilizando essa categoria “países perdedores”, tomada de empréstimo de Landes, procuraremos exercitar uma análise comparada desses países agrupados por regiões geopolíticas em termos dos fatores que influenciam o desenvolvimento conforme discutido nos tópicos anteriores. 

 

No que toca à América Latina, à exceção do Chile, Brasil e México (que de certo modo se globalizaram parcialmente), conforme assinalado por Carlos Alberto Montaner (1998) em seu artigo “Cultura e Comportamento das Elites na América Latina” e Plinio Apuleyo Mendonza e associados (2007), na obra “A volta do Idiota”, o subcontinente permanece mergulhado no atraso e na pobreza, dominado por um nacionalismo extravagante, um interminável complexo populista e um fascínio ingênuo pelo radicalismo da chamada esquerda carnívora*. Após uma infindável discussão sobre as causas do fracasso latino-americano, há hoje uma compreensão fora da região de que as suas próprias elites políticas, econômicas e intelectuais não contribuem para o progresso em função de seus comportamentos, valores e ideologias, em geral contrários à economia de mercado, ao relacionamento com o estrangeiro e com a construção de uma genuína democracia representativa.   

 

Outro grupo de perdedores são os países do leste europeu (Rússia, ex-repúblicas soviéticas e países balcânicos), à exceção dos pequenos países do Báltico, da Eslovênia, Polônia, República Checa e Hungria.  Mais de meio século de experimento comunista deixou esses países com estruturas econômicas débeis e falta de capacidade empreendedora. Processos atabalhoados de privatização dos ativos estatais, ao invés de recriarem mercados, geraram máfias poderosas, grandes empresas ineficientes e elites enriquecidas e corruptas. Segundo afirma Parag Khanna (2008: 13), o desdém pela gestão da coisa pública e a fartura da riqueza petrolífera na Rússia pós-comunista criaram um “petroestado” com uma cleptocracia autoritária, gerindo os vastos recursos naturais do país sem preocupações com a modernização da economia ou bem-estar do seu povo e apenas interessado em recuperar o peso geopolítico na sua antiga área de influência imperial, no Cáucaso e na Ásia Central.

 

O mundo muçulmano (exclusive os países do sudeste asiático e África subsaariana), com mais de 680 milhões de pessoas, que se estende do Norte da África (Magrebe) ao Oriente Médio, da Ásia Central à Índia, constitui um numeroso grupo de países, com raras exceções dos estados petrolíferos da península arábica, vivendo em condições de estagnação econômica, privação social e ausência de democracia sob forte influência regressiva da religião islâmica. Como salienta Jeffry Frieden (2008: 482), esse quadro tem provocado fortes ressentimentos contra o Ocidente e alimentado movimentos fundamentalistas contra a integração econômica e cultural com os países avançados. Uma onda de terrorismo promovida pelo radicalismo islâmico varre o mundo, levando a um alegado choque de civilizações. Estados fracos sob influência teocrática, expansão demográfica e desemprego em massa contribuem para manter essa parte do mundo na pobreza, em conflitos civis permanentes e avessa à modernização ao estilo ocidental.     

 

Enquanto as experiências de desenvolvimento da América latina, Leste Europeu e no mundo muçulmano do Oriente Médio decepcionaram, catástrofes econômicas se deram na África subsaariana (à exceção da África do Sul e Botsuana), hoje com 800 milhões de habitantes. Com base em Joseph Stiglitz (2007: 111-114), pode-se afirmar que o otimismo das nações africanas que conquistaram a independência nos anos 60 transformaram-se em fracasso, já que a maioria de seus quase 50 países chegou ao início do século XXI mais pobre do que na época da independência. Além de fatores ligados à geografia dos trópicos (Jeffrey Sachs, 2000), conflitos regionais políticos, étnicos e tribais, estruturas estatais frágeis e não-democráticas e a adoção de malogradas estratégias de desenvolvimento de industrialização substitutiva de importações ou de planejamento centralizado ao estilo soviético, fatores de ordem cultural contribuem fortemente para o estado de prostração e atraso que assola o continente.  

 

Daniel Ettounga-Manguelle (2002:117) atribui o fracasso africano na corrida do desenvolvimento aos valores comuns, atitudes e instituições influenciados pela religião animista que torna a magia um elemento presente no comportamento individual e coletivo africano. O autor propôs uma tipologia de ingredientes da cultura africana responsáveis pela incapacidade da maioria dos seus povos em construir o próprio desenvolvimento. Dentre eles, se incluem: a distância hierárquica; o fraco controle da incerteza (comodismo); a tirania do tempo passado; o poder indivísivel da autoridade; a prevalência da comunidade sobre o indivíduo; a sociabilidade excessiva (baixa ética do trabalho); a irracionalidade, o canibalismo social e o autoritarismo. O autor defende a regeneração da cultura africana, mas expurgando os traços danosos à modernização, chegando a indagar se a África não precisaria de um programa de ajuste cultural, com apoio internacional, para proceder à mudança cultural, de modo a remover os entraves ao desenvolvimento no âmago dos costumes e da moral dos africanos.

 

Em que pese o marasmo dos países perdedores, a prosperidade crescente dos países vencedores é fonte de preocupação. Com a expansão econômica dos países emergentes, sobretudo as populosas China e Índia (com 2,4 bilhões de pessoas), ressurge o temor malthusiano da escassez dos recursos naturais e dos limites ambientais ao desenvolvimento desses países. Se o maior crescimento econômico não for possível, como será possível eliminar as discrepâncias no PIB per capita mundial? Estarão as massas do Terceiro Mundo condenadas a viverem na pobreza para sempre?

 

O inesgotável progresso tecnológico fruto da inventividade humana poderá oferecer uma resposta a esse desafio. Para que isso possa ocorrer e evitar o colapso ambiental, serão necessários incentivos ao empreendorismo para criar novas tecnologias que tanto aumentem como criem recursos alternativos para substituir os recursos esgotados. No entanto, para que isso aconteça, as escolhas políticas no mundo deverão dotar-se de instituições que permitam o aumento da liberdade econômica, a proteção aos direitos de propriedade, a eliminação de barreiras à mudança econômica e a promoção de incentivos à inovação, evitando atividades improdutivas ou destrutivas e o protecionismo danoso ao comércio, à prosperidade e à paz internacionais.

 

 

 

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